domingo, 30 de setembro de 2012

Holodomor


Holodomor,

o novo avatar do anticomunismo «europeu»

por: Annie Lacroix-Riz, Professora de História Contemporânea, Universidade de Paris 7

Tradução portuguesa de MF, revisão e edição de CN, 30.09.2009

Original em francês disponível em http://www.historiographie.info

 

 

Desde Novembro de 1917 sucederam-se sem cessar campanhas antibolcheviques tão violentas quanto diversas, mas a da «fome na Ucrânia», lançada em 1933, tem prevalecido de há 20 anos para cá. Ela foi desencadeada quando os grandes imperialismos, com a Alemanha e Estados Unidos à cabeça, ávidos desde o século XIX por pilhar os imensos recursos da Ucrânia, se julgaram em condições do o conseguir. A conjuntura sorriu ao Reich em 1932-1933, quando o Sul da URSS (Ucrânia e outras «terras negras», Norte do Cáucaso e do Cazaquistão) foi atingido por uma considerável diminuição das colheitas e o conjunto da União por dificuldades de aprovisionamento acarretando o regresso a um racionamento estrito. Grave «penúria» sobretudo durante a «transição» (entre duas colheitas), não especificamente ucraniana, segundo a correspondência diplomática francesa; «fome» ucraniana segundo os relatórios de 1933-1934 dos cônsules alemães e italianos, explorados pelos Estados ou grupos apostados na secessão da Ucrânia: Alemanha, Polónia, centro principal de agitação em Lwow, e Vaticano.

Esta penúria ou esta fome resultou de fenómenos naturais e sociopolíticos; uma seca catastrófica multiplicou os efeitos da retenção crescente dos fornecimentos (abate de gado incluído), desde a passagem dos anos 20, pelos antigos kulaques (os camponeses mais ricos), hostis à colectivização. Esta fracção, em luta aberta contra o regime soviético, constituía, na Ucrânia, uma das bases de apoio ao «autonomismo», disfarce semântico da «secessão», em benefício do Reich, da região agrícola rainha das «terras negras», para além de principal bacia industrial do país. O apoio financeiro alemão, massivo antes de 1914, intensificou-se durante a I Guerra Mundial, quando a Alemanha transformou a Ucrânia, tal como os países bálticos, na base económica, política e militar do desmantelamento do império russo. A República de Weimar, fiel ao programa de expansão do kaiser, continuou a financiar «o autonomismo» ucraniano. Ao chegarem ao poder, os hitlerianos anunciaram o seu plano de anexação da Ucrânia soviética, e todo o autonomismo ucraniano (os meios policiais, diplomáticos e militares convergem) aderiu entre 1933 e 1935 ao Reich, então mais discreto acerca das suas intenções sobre o resto da Ucrânia.

Nessa altura, a URSS não controlava efectivamente senão a Ucrânia oriental (Kíev-Khárkov), que tinha voltado a ser soviética em 1920, depois da secessão operada durante a guerra civil-estrangeira: grandes pedaços da Ucrânia foram espoliados ou não atribuídos, apesar da pertença étnica da sua população, das promessas francesas, em 1914, de devolver os despojos do império austro-húngaro à Rússia tsarista aliada, e da fixação da «Linha Curzon» em 1919. O imperialismo francês, um dos dois artífices (com Londres) da guerra estrangeira feita aos soviéticos, depois também do «cordão sanitário» que se seguiu ao seu fracasso, ofereceu à Roménia, logo em 1918, a Bessarábia (Moldávia, capital Kichinov), antiga parte do império russo, e a Bucóvia; a Checoslováquia recebeu de uma assentada a RuténiaSubcarpátia; a Polónia de Pilsudski, com a ajuda do corpo expedicionário francês dirigido por Weygand[1], obtém, entre 1920 e 1921, a Ucrânia ocidental ou Galícia oriental, que fora há muito austríaca – capital Lemberg (em alemão), Lvov (em russo), Lwow (em polaco), Lviv (em ucraniano). E isto na altura em que a «Linha Curzon» (nome do secretário dos Negócios Estrangeiros britânico), tinha considerado, em 1919, este território «etnicamente» russo, transladando a fronteira russo-polaca 150 km para Oeste da Ucrânia russa: a «Rússia» devia receber este território dos seus aliados quando eles próprios e os Brancos tivessem escorraçado os bolcheviques, o que não aconteceu.

Esta distinção geográfica é decisiva porque Lwow tornou-se – e Lviv permanece – um centro principal do clamor alemão, polaco e do vaticano sobre a «fome na Ucrânia», que começou no Verão de 1933, isto é, após uma excelente colheita soviética ter posto fim à crise dos aprovisionamentos. Se houve fome em 1932-1933, atingindo o seu máximo durante a «transição» (entre as duas colheitas), Julho de 1933 marcou o seu fim. A campanha difundiu-se por todo o campo anti-soviético, Estados Unidos incluídos, onde a imprensa germanófila do grupo Hearst a tomou a seu cargo. A fome não foi «genocida», o que é admitido por todos os historiadores anglo-saxónicos sérios, como R. W. Davies e S. Wheatcroft, não traduzidos em francês, ao contrário de Robert Conquest, agente dos serviços secretos britânicos tornado prestigiado «investigador» de Harvard, ídolo da «faminologia» francesa a partir de 1995.[2] A campanha original nem sequer tinha brandido o «genocídio»: Berlim, Varsóvia, o Vaticano, etc. condenaram Stáline, os Sovietes ou os judeus-bolcheviques, estigmatizaram a sua ferocidade ou a sua «organização» da fome e descreveram uma Ucrânia impelida pela fome ao canibalismo. Quanto aos franceses, imputavam aos planos secessionistas do trio este bulício lançado no momento em que o Reich prometia ao ditador polaco Pilsudski, se este restituísse Dantzig e o seu corredor, entregar-lhe de bandeja a Ucrânia soviética que juntos em breve conquistariam: François-Poncet, delegado do Comité das Forjas[3] e embaixador em Berlim, ria-se com sarcasmo dos lamentos quotidianos vertidos pela imprensa do Reich sobre o martírio ucraniano, grande ardil com intuitos externos (anexar a Ucrânia) e internos («difamar os resultados do regime marxista»).[4]

A abundante correspondência militar e diplomática da época exclui a tese da ingenuidade dos «palermas» pró-soviéticos, tais como ÉdouardHerriot, cegos às mentiras e secretismos de Moscovo, durante a sua viagem em Setembro de 1933 à Ucrânia: ou seja, a tese defendida em 1994 pelo demógrafo Alain Blum, que introduziu em França o número dos «seis milhões de mortos». Esse símbolo concorrencial, tão caro aos anti-semitas ucranianos – era preciso fazer pelo menos tão bem como os judeus, antes de fazer muito mais, 7, 9, 10, 12, até 17 milhões, que eu tenha conhecimento, (isto para um efectivo total de cerca de 30 milhões de ucranianos soviéticos) –, foi adoptado no Livro Negro do Comunismo, em 1997, por Nicolas Werth. Na altura, este ainda refutava a tese «genocida», que passou a defender quando se comprometeu, em «2000, com um projecto de publicação de documentos sobre o Gulag (seis volumes sob a égide da Fundação Hoover e dos arquivos do Estado da Federação da Rússia)».[5] Número duplamente inaceitável: em primeiro lugar, Alain Blum dedu-lo de estimativas demográficas, já que a URSS não fez qualquer recenseamento entre 1926 e 1939: ora, entre estas datas, no quadro de um boom industrial orientado desde o início da grande crise capitalista para a defesa face à ameaça alemã, ocorreram gigantescos movimentos populacionais inter-regionais, que afectaram particularmente a Ucrânia agrícola colectivizada. O fraco crescimento da população ucraniana entre os dois recenseamentos não autoriza pois a equivalência: défice demográfico igual a mortos de fome; em segundo lugar, o modo de cálculo da estimativa é absurdo: Alain Blum alinhou-se com os estatísticos russos que, em 1990, agruparam as perdas presumíveis na década de 1930, atribuindo seis milhões – ao único ano de 1933[6].

O número fatídico foi retomado por «sovietólogos» franceses, como Stéphane Courtois, ligados ou não aos campeões da «Ucrânia independente» laranja. Absurdo supremo: na Ucrânia oriental teriam portanto morrido em alguns meses tantas vítimas – ou mesmo duas ou três vezes mais – como judeus exterminados a partir de 1939, sobretudo entre 1942 e 1944, num território que se estende da França aos Urais; e isto sem deixar nenhum dos traços visíveis, fotografias ou escritos, deixados pelo genocídio nazi.

É neste contexto que se movimentaram em França grupos «ucranianos», como a associação «Ucrânia 33», que foi alojada pelo arcebispado de Lyon, tendo como presidente honorário Monsenhor Decourtray.[7] Esta organização está subordinada ao Congresso Ucraniano Mundial, sediado em Washington e presidido por Askold S. Lozynskyj, que publicou no New-York Times, em 18 de Julho de 2002, a seguinte correspondência: «quando os Sovietes foram obrigados a retirar perante a invasão dos nazis, em Junho de 1941, massacraram os seus prisioneiros (…) da Ucrânia ocidental, detidos e internados às dezenas de milhares em 1939 (…). Isto foi efectuado com a ajuda dos comunistas locais, sobretudo dos etnicamente judeus. Este massacre não constituiu infelizmente uma aberração das acções soviéticas na Ucrânia. Em 1932-1933, na Ucrânia oriental, os Sovietes já tinham assassinado cerca de sete milhões de homens, mulheres e crianças ucranianas por meio de um genocídio estrategicamente planificado de fome artificial. O homem escolhido por IóssifStáline para perpetrar este crime era um judeu, LazarKáganovitch.[8]

«O célebre historiador britânico Norman Davies concluiu que nenhuma nação teve tantos mortos como a ucraniana. O que foi em larga medida o resultado das acções tanto dos comunistas como dos nazis. Os russos e os alemães eram bárbaros. Mas os judeus eram os piores. Eles traíram os seus vizinhos e fizeram-no com muito zelo!»[9].

Estes anti-semitas frenéticos mostraram-se mais discretos em França, onde bajularam associações judaicas e a Liga dos Direitos do Homem em «colóquios internacionais» e debates sobre «os genocídios» (judeu, arménio, ucraniano).[10] Em 2005-2006, eles exigiram a minha exclusão da Universidade de Paris 7, primeiro ao seu presidente e depois ao Presidente da República, Jacques Chirac, acusando-me de «negacionismo» por ter enviado por Internet aos meus estudantes uma compilação crítica (citada mais à frente) de arquivos sobre as patranhas da campanha germano-vaticano-polaca de 1933-1935. Não me perdoaram sobretudo o facto de ter lembrado, em 1996, o papel que teve na Ucrânia ocupada pela Wehrmacht a Igreja Uniata[11] da Galícia oriental, submetida ao Vaticano e confiada ao bispo (de Lwow), Monsenhor Szepticky, que abençoou as matanças da divisão ucraniana SS Galícia, formada a partir dos agrupamentos do nazi uniatoStepáne Bandera.[12] Acrescentemos a estes dossiers comprometedores para os arautos do «Holodomor» que eu ouso afirmar que a diabolização do comunismo e da URSS não resulta da análise histórica mas de campanhas ideológicas; que, não contente de ser marxista, sou também judia, e um dos meus avós foi morto em Auschwitz – facto que eu tornei público em 1999, frente a uma outra campanha,[13] e que estes excitados conheciam:[14] a natureza de todos estes elementos mobilizá-los-ia.

Faltou concretizar-se o sonho de obter o apoio dos judeus de França a uma campanha contra uma «judia-bolchevique» travestida de «negacionista»! Este assédio, contra o qual se levantaram o Snesup e o PRCF,[15] que lançou em Julho de 2005 uma eficaz petição apoiada pela revista (a única) La Libré Pensée,[16] esmoreceu depois de os «ucranianos», sob a protecção da polícia do ministro do Interior, N. Sarkozy, terem homenageado, em 25 de Maio de 2006, no Arco do Triunfo, o grande pogromistaPetliura. Emigrado em França, depois dos seus crimes de 1919-1920, foi abatido em 1926 pelo judeu russo emigrado Schwartzbard, tendo a defesa deste dado origem à Liga Contra o Anti-Semitismo (LICA), que se tornou LICRA[17] em 1979. Foi esta última que – depois de vários avisos em vão da alegada «negacionista» Lacroix-Riz – denunciou aqueles anti-semitas de choque, em 25 de Maio de 2006, através do seu presidente Patrick Gaubert.

Irá o alarido dos grupelhos «ucranianos» recomeçar entre nós, estimulado pelo Parlamento Europeu?

A Ucrânia ocidental laranja, tutora (oficial) de toda a Ucrânia, ocupa de novo o centro de uma campanha que, desde a era Reagan – fase crucial do desmantelamento da Rússia iniciado a partir de 1945 pelos Estados Unidos – deve tudo ou quase tudo a Washington, da mesma forma que a precedente deveu tudo ao dinheiro alemão. Os seus campeões empilham milhões de mortos de uma Ucrânia oriental, cuja população nunca se juntou à matilha apesar de o assunto lhe dizer respeitos em primeiro lugar. Em contrapartida, a CIA foi o chefe de orquestra, apoiando-se, em primeiro lugar, nos «Ucranianos» anti-semitas e antibolcheviques, colaboracionistas eminentes sob a ocupação alemã, emigrados nos Estados Unidos, no Canadá ou na Alemanha ocidental a seguir à expulsão da Wehrmacht da Ucrânia ou depois de 1945; em segundo lugar, em certas prestigiadas universidades americanas, entre as quais Harvard e Stanford, seguidas por universidades «ocidentais» (Europa oriental incluída), as quais foram gratificadas através de financiamentos americanos (em plena miséria dos créditos públicos para a investigação) com uma profusão de colóquios e encomendas editoriais sobre «a fome genocida na Ucrânia».

O apoio financeiro e político americano engendrou a campanha «Holodomor» dos governos ucranianos – que em 2008 erigiram em herói nacional StepáneBandera,<<chefe da organização terrorista ucraniana na Polónia»[18], pretensamente independentista» (não do Reich), criminoso de guerra emigrado em 1945 em zona de ocupação americana, organizador, a partir da sua base de Munique, de assassinatos em massa até aos anos 50 na Ucrânia novamente soviética.[19] Sem um tal apoio, a gritaria terminaria ou perderia todo o eco internacional. O «Parlamento Europeu», ao reconhecer em 23 de Outubro de 2008 «o Holodomor (fome provocada artificialmente em 1932-1933 na Ucrânia) como “um crime horrível perpetrado contra o povo ucraniano e contra a humanidade”», revelou a sua estrita dependência relativamente aos Estados Unidos, dos donos da Ucrânia «independente», em concorrência com a Alemanha, cuja grande imprensa manifesta um zelo pró-ucraniano igual ao da actual Polónia, herdeira dos «coronéis» Josef Beck e consortes.

 

 

Bibliografia sumária: conjuntura ucraniana germano-vaticano-polaco-americana, Annie Lacroix-Riz, Le Vatican (réf. N. 7); Le Choix de ladéfaite: lesélitesfrançaisesdanslesannées 1930, Paris, Armand Colin, 2006, reed. 2007, De Munichà Vichy, l’assassinat de la 3.ª  Republique, 1938-1940, mesmo editor, 2008;e sobretudo a iminente versão final da síntese apresentada aos meus estudantes em 2004, «Ucrânia 1933, actualizada em 2008», («Sobre a “fome genocida stalinista” na Ucrânia em 1933»: uma campanha alemã, polaca e do Vaticano>>, www.historiographie.info), que desencadeou a fúria dos defensores da “Holodomor”.

Reter da bibliografia Douglas Tottle, Fraud, FamineandFascism. The UkainianGenocieMythfrom Hitler to Harvard, Toronto, Progress Book, 1987, esgotada mas disponível na Internet: este antigo fotógrafo mostrou que as fotos das campanhas ucranianas de 1933-1935, a partir da era reaganiana, (artigos, obras, filmes) provinham das colecções da fome de 1921-1922, resultante de sete anos de guerra, primeiro mundial depois a guerra estrangeira e civil, e desancou de forma muito bem argumentada as fontes escritas e fotográficas da principal obra de Conquest (capítulo 7, «HarvestofDeception», «A colheita de enganos», e sobretudo p. 86-90); Geoffrey Roberts, Stalin’s War: FromWorltoCold War, 1939-1953. New Haven & London: Yale University Press, 2006, que estima o balanço dos massacres perpetrados pelos banderistas em«35 mil quadros militares e do partido na Galícia oriental [soviética] entre 1945 e 1951», p. 325.

 



[1] Maxime Weygand (1867-1965), general francês, nomeado em 1920 conselheiro na Polónia do ditador Józef Piłsudski, comandou a «Missão Militar Francesa» que desempenha um papel central na guerra russo-polaca de 1919-1921, levando à derrota do Exército Vermelho na Batalha de Varsóvia, a que se segue a anexação de territórios ucranianos e bielorussos (N. do Ed.).
[2] Respectivamente The years of Hunger, Soviete Agriculture 1931-1933, New York, Palgrave Macmillan, 2004, e Harvest of Sorrow, New York, Oxford University Press, 1986, traduzido em 1995 (e a minha actualização na Internet, bibliografia sumária).
 
[3] Comité des forges, organização patronal da siderurgia francesa, criado em 1864, que foi substituído em 1945 pela Câmara Sindical da Siderurgia Francesa (N. do Ed.)
[4] Despacho 727 para Paul-Boncour, Berlim, 5 de Julho 1933, Europa URSS 1918-1940, vol. 986, relações Alemanha-URSS, Junho 1933 – Maio 1934, arquivos do Quai d’Orsay (MAE).
[5] http://www.ihtp.cnrs.fr/spip.php?article98 (site IHTP); sobre o papel anti-soviético oficial desta fundação, estreitamente ligada ao Departamento de Estado, referência da n.1.
 
[6] Alain Blum, Naître, vivre et mourir en URSS, 1917-1991, Paris, Plon, 1994, p. 96-99 e n. 61, p. 243
[7] Albert Decourtray (1923-1994), nomeado arcebispo de Lyon em 1981, cardeal em 1985, eleito membro da Academia Francesa em 1993. (N. do Ed.)
[8] Lázar Moisséievitch Káganovitch (1893-1991), membro do POSDR desde 1911, do CC desde 1922 e do Politburo desde 1926, participante na Revolução de Outubro, secretário-geral do PC(b) da Ucrânia (1925-28), primeiro secretário do Comité de Moscovo (1930-1935), dirigiu a reconstrução de Moscovo e a obra do metropolitano, ministro das Vias de Comunicação (1935-44) e ministro da Indústria Pesada (1937), entre outros cargos. Em 1957 é declarado membro do «grupo antipartido», afastado de todos os postos, sendo definitivamente expulso do PCUS em 1961. (N. do Ed.)
 
[9] http://zustrich.quebec-ukraine.com/new02_shmul.htm, tradução ALR. O polonófilo Davies, que obteve o seu doutoramento em Cracóvia, deve a notoriedade à sua minimização da destruição dos judeus da Polónia, que o opôs a vários historiadores americanos (Lucy S. Davidowicz, Abraham Brumberg e Theodore Rabb).
[10] «Memórias partilhadas dos genocídios e crimes contra a humanidade», «colóquio internacional» do «Colectivo Reconhecimento», 28-29 de Abril 2006, ENS Lyon, etc. (documentação Internet inesgotável).
[11] Igreja Uniata é a designação comum dada à actualmente designada Igreja Greco-Católica Ucraniana, que manteve o rito bizantino ortodoxo apesar ter pertencer à Igreja Católica e estar directamente sujeita ao Papa (N. do Ed.).
[12] O Vaticano, a Europa e o Reich da I Guerra Mundial à Guerra fria (1914-1955), Paris, Armand Colin, 1996, reed. 2007, p. 414-417, e infra.
[13] Quando contestaram o meu trabalho sobre a fabricação e entrega ao Reich do Zyklon B «francês» (da fábrica de Villers-Saint-Sépulcre) pela sociedade mista Ugine-Degesch, Industriais e Banqueiros Franceses sob a Ocupação: A Colaboração Económica com o Reich e Vichy, Paris, Armand Colin, 1999, index.
[Stepáne Andréievitch Bandera (1909-1959), contra-revolucionário ucraniano, líder da Organização dos Nacionalistas Ucranianos entre os anos 30 e 50. (N. do Ed.)]
[14] O que foi referido regularmente nas suas prosas ao longo da sua campanha de 2005-2006.
[15] Snesup, Sindicato Nacional do Ensino Superior; PRCF, Pólo da Renascença Comunista Em França. (N. do Ed.).
[16] Entre as organizações solicitadas não signatárias, o PCF, a Liga dos Direitos do Homem, o MRAP, diversas associações judaicas, o Comité de Vigilância dos Usos Públicos da História, a Associação dos Professores de História e Geografia (APHG), etc.
[La Libré Pensée é uma revista digital (lapenseelibre.fr) de orientação marxista editada em francês. (N. do Ed.)]
[17] Liga Internacional Contra o Racismo e o Anti-Semitismo (N. do Ed.)
 
[18] Despacho 30 de Léon Noël, embaixador em Varsóvia, 15 de Janeiro de 1936, SDN, vol. 2169, Polónia, dossier geral, Fevereiro-Julho de 1936, MAE.
[19] Lacroix-Riz, Vatican, loc. Cit., Tottle, chap. 9-10; Mark Aarons e John Loftus, Nazis no Vaticano, Paris, O. Orban, 1992, índex Bandera; Christopher Simpson, Blowback. America’s recruitment of Nazis and its effects on the Cold War, New York, Weidenfeld & Nicolson, 1988, índex Bandera, etc.
Fonte - Para a História do Socialismo

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O Valor das Liberdades Democráticas num Estado Burguês e as Formas de Aproveitá-las


 

O Valor das “Liberdades Democráticas” num Estado Burguês e as Formas de Aproveitá-las[1]

Enver Hoxha[2]

Traduzido por: Ícaro Leal Alves[3]


 

 

A burguesia e, junto a ela, os revisionistas modernos, falam e fazem cálculos sobre as liberdades democráticas. Com efeito, em cada Estado burguês denominado democrático, existem algumas liberdades democráticas relativas. Dizemos relativas, porque não ultrapassam jamais o limite da concepção burguesa de “liberdade” e de democracia, porque não chegam jamais ao ponto de prejudicar os interesses vitais da burguesia no poder.

            Naturalmente, a classe operária e os homens progressistas aproveitam essas condições para organizar-se, para difundir suas concepções e ideologia, e para preparar o derrubamento das classes exploradoras e a tomada do poder.

            Depois da Segunda Guerra Mundial, em muitos países capitalistas da Europa, como resultado da vitória sobre o fascismo e do papel desempenhado pelos partidos comunistas na luta antifascistas, esses partidos chegam inclusive a participar do governo (por exemplo, na França, na Itália, na Finlândia, etc.) e até conquistar uma ampla bancada de deputados no parlamento, importantes cargos no aparelho de Estado, e inclusive no Exército, etc.

            Igualmente, em diferentes períodos durante os últimos 15 anos, se criaram condições favoráveis para o partido da classe operária e as forças progressistas em alguns países do Oriente Médio, como Irã e Iraque, e da América Latina, como Guatemala, Brasil, Equador, Venezuela e outros. Na Indonésia se criou uma situação bastante favorável. O Partido Comunista da Indonésia cresceu com bastante rapidez, fazia parte do governo e exercia uma grande influência na política interior e exterior do país, etc.

            Porém, também nas condições das “liberdades democráticas”, se desenvolve uma aguda luta de classes, uma luta de vida ou morte, entre a revolução e a reação, entre o proletariado e a burguesia. Se o proletariado e o seu partido se esforçam para consolidar as suas posições, por sua vez, a burguesia e a reação não dormem. Pelo contrário, valendo-se do aparelho estatal burguês, da policia e das forças armadas, praticando a corrupção e a subversão, alimentando o oportunismo e as ilusões reformistas e pacifistas no seio da classe operária, etc., se preparam seriamente para consolidar suas posições e desbaratar o governo e as forças revolucionárias.

            O desenvolvimento dos acontecimentos depois da Segunda Guerra Mundial mostra que, no marco das “liberdades democráticas”, a burguesia atua energicamente e de diferentes formas para liquidar o movimento revolucionário da classe operária.

            Depois que a burguesia e a reação lograram consolidar suas posições, expulsaram os comunistas do governo, dos postos importantes no aparelho de Estado e do Exército, como sucedeu na Itália, França e Finlândia. Na Inglaterra, Áustria e outros países, nem sequer foi tolerada a presença dos comunistas no parlamento, como na Grécia foram encarcerados e combatidos pela força das armas.

            Quando a burguesia e a reação constatam que seu poder está ameaçado pela força e o prestigio crescente do Partido Comunista e do movimento revolucionário das massas, jogam sua última cartada: põem em ação as forças armadas, organizam progroms para esmagar e liquidar o movimento revolucionário e os partidos comunistas, como sucedeu em Irã e Iraque, e, recentemente, com os trágicos acontecimentos da Indonésia. Em tais casos a reação e a burguesia de um país dado aproveitam-se diretamente da ajuda da reação mundial, inclusive o apoio das formas armadas, como ocorreu na República Dominicana e outros lugares.

            Que conclusão se pode tirar desta experiência histórica?

            Primeiro, que as chamadas “liberdade burguesa” e “liberdade democrática” nos países capitalistas não são suficientes para permitir aos partidos comunistas e aos grupos revolucionários alcançarem seus objetivos. De nenhum modo. A burguesia tolera a atividade dos revolucionários enquanto essa não constitui uma ameaça para o poder de classe da burguesia. Quando este poder está em perigo, ou quando a reação encontra o momento propicio, sufoca as liberdades democráticas, recorre a todos os meios, sem nenhum escrúpulo moral nem político, para destruir as forças revolucionárias. Em todos os países em que se há permitido aos partidos comunistas militar abertamente, a burguesia e a reação aproveitam essa situação para conhecer toda atividade, as pessoas, os métodos de trabalho e de luta dos partidos marxista-leninistas e dos revolucionários. Por isso, os comunistas e seus partidos autenticamente marxista-leninistas cometeriam um erro fatal se tiverem confiança nas “liberdades” burguesas que os proporciona a conjectura, se fizer tudo abertamente e não guardar segredo de sua organização e de seus planos. Os comunistas devem aproveitar as condições do trabalho legal, inclusive para desenvolver um amplo trabalho propagandístico e organizativo, porém, ao mesmo tempo, devem estar preparados para o trabalho clandestino.

            Segundo, as ilusões oportunistas sobre a “via pacífica” para a tomada do poder são um blefe e representam um grande perigo para o movimento revolucionário. Em aparência, o Partido Comunista da Indonésia parecia ter o terreno mais favorável para alcança seu objetivo seguindo essa via. Não obstante, os comunistas indonésios haviam declarado mais de uma vez que não criavam ilusões sobre a “via pacífica”. Em sua saudação ao Congresso do PC da Nova Zelândia, a delegação do Comitê Central do PC da Indonésia confirmava que “os acontecimentos da Indonésia demonstraram que não existe nenhuma classe dominante... nem força reacionária que permita as forças revolucionárias conquistar a vitória pela ‘via pacífica’”. Os comunistas extraem dos trágicos acontecimentos da Indonésia o ensinamento de que não é suficiente descartar as ilusões oportunistas sobre a “via pacífica” e reconhecer que a única via para a tomada do poder é a via revolucionária da luta armada. O partido do proletariado, os marxista-leninistas e todo revolucionário deve tomar medidas efetivas para preparar a revolução, começando pela educação dos comunistas e das massas no espirito militante revolucionário e chegando até sua preparação concreta para fazer frente à violência contrarrevolucionária da reação com a luta armada revolucionária das massas populares.

            Terceiro, independentemente das condições e das posições favoráveis que pode disfrutar em determinado momento, o partido da classe operária não deve relaxar em nenhum momento a vigilância revolucionária, sobrestimar sua forças e a de seus aliados e subestimar a força do adversário, da burguesia e da reação. O Partido Comunista da Indonésia gozava de uma grande influência no país, porém parece que sobrestimou em particular a força política de Sukarno e do setor da burguesia que lhe apoiava, e teve demasiada confiança em sua força. Ao mesmo tempo, parece que subestimou a força da reação, em particular da reação no exército. Ao que parece os camaradas indonésios pensavam que o que tinha Sukarno por sua parte, lhe dava a regias do poder na Indonésia, sem analisar devidamente em que consistia a força de Sukarno[4] e até que ponto está força era real, particularmente entre o povo. Os recentes acontecimento da Indonésia demonstraram claramente que o prestigio e a autoridade de Sukarno não se apoiava em uma base social, econômica e política sólida. Os generais reacionários conseguiram neutralizar Sukarno, e inclusive, enquanto foi adequando, o exploraram para seus fins contrarrevolucionários.

            Quarto, o partido marxista-leninista e todos os revolucionários devem seguir consequentemente e resolutamente uma linha revolucionária e lutar audazmente contra o oportunismo e sua mais sórdida manifestação, o revisionismo moderno, tanto o kruschovista quanto o titista. Os oportunistas e os revisionistas modernos fizeram da luta pelas “liberdades” burguesas sua bandeira e renunciaram a revolução, preconizam a “via pacífica” como a única via para a tomada do poder. Precisamente a linha oportunista e revisionista, a influência dos revisionistas kruschovistas, etc., transformou numerosos partidos comunistas, que no passado constituíram uma grande força revolucionária, em partidos de reforma social, em cãezinhos de colo da burguesia reacionária. Isso aconteceu com os partidos comunistas da Itália, da França, da Finlândia, da Inglaterra, da Áustria e outros. A aplicação da linha oportunista do XX Congresso dos kruschovistas conduziu a catástrofe e a liquidação ao Partido Comunista do Iraque, ao Partido Comunista do Brasil, ao Partido Comunista da Argélia, etc. O Partido Comunista da Indonésia se opõe ao revisionismo moderno. Os últimos acontecimentos da Indonésia e o papel de sapa que os revisionistas kruschovistas jogaram ali, um verdadeiro partido revolucionário, fiel ao marxismo-leninismo, decidido a levar audazmente adiante a revolução, deve manter uma atitude bem definida frente ao oportunismo, ao revisionismo kruschovista e titista. Não basta solidarizar-se com a luta dos marxista-leninistas contra o revisionismo, é preciso também que o partido lute de maneira intransigente e aberta contra a traição revisionista, porque somente assim podem os comunistas educar-se no espírito revolucionário e pode ser preservado o partido de todo perigo de revisionismo. Sem combater resoluta e consequentemente contra o oportunismo e o revisionismo kruschovista, não se pode combater a reação, não se pode impulsionar a causa da revolução e do socialismo.



[1]Extraído do Artigo “El Golpe Fascista em Indonesia y las Enseñanzas que Extraen de el los Comunistas” publicado em albanês no Zëri i Popullit de 11 de Maio de 1966. Tomamos como base para essa tradução a versão em espanhol do artigo de Enver Hoxha encontrada na publicação HOXHA, Enver. Obras Escogidas, IV, Febrero de 1966 – Julio de 1975: – Casa Editora <<8 Nëntori>>, Tirana, 1983. O artigo se encontra entre as páginas 19-35 e a parte aqui traduzida páginas 22-27.
[2]Fundador do Partido Comunista da Albânia (depois Partido do Trabalho da Albânia) e seu secretário-geral durante quatro décadas (de 1941-1985). Liderou a Luta de Libertação Nacional do povo albanês contra o fascismo e o nazismo italiano e alemão, organizando a Frente de Libertação Nacional (em Setembro de 1942) e comandado o Exército de Libertação Nacional Albanês (criado em Julho de 1943). Após a expulsão das tropas de ocupação nazifascistas, em Novembro de 1944, dirigiu o primeiro governo democrático popular da Albânia liberada, proclamando, em janeiro de 1946, a República Popular da Albânia. Serviu como primeiro-ministro da RP da Albânia entre os anos de 1944-1953. Durante seu governo os colaboracionistas foram submetidos a tribunais populares, realizou-se a reforma agrária, a indústria, os bancos, o comércio interno e externo foram nacionalizados, institui-se a direção planificada da economia através do sistema dos planos quinquenais e iniciou-se a industrialização e coletivização da agricultura. O Estado Albanês foi modernizado desligando-se da religião. A mulher albanesa, durante séculos oprimida pelas tradições medievais conhece um progressivo processo de emancipação. Combateu-se doenças epidêmicas largamente disseminadas pelo país e também o analfabetismo. O governo realizou uma atividade intensa pela elevação geral do nível cultural dos trabalhadores. Após os XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética Hoxha lutou contra o revisionismo kruschovista. Com uma larga experiência de luta contra o revisionismo titista, que com suas intensões expansionistas ameaçava recolonizar a Albânia socialista, Enver transformou-se no mais importante defensor do conteúdo revolucionário do marxismo-leninismo, do legado histórico do Camarada Stálin contra as calúnias revisionistas e um verdadeiro farol para a vitória do socialismo e da causa da libertação nacional dos povos coloniais e oprimidos. Acreditava que só a revolução conduzida pelo partido marxista-leninista poderia livra os povos da opressão imperialista e capitalista.
[3] Estudante de História na Universidade Católica do Salvador
[4] Sukarno foi presidente da Indonésia de 1945 a 1967. Como muitos javaneses, Sukarno não tinha sobrenome.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Balanço Histórico da Primeira Experiència Socialista - Versão Escrita


 

Balanço Histórico da Primeira Experiência Socialista

Por: Ícaro Leal Alves[1]

 

Este artigo tem por objetivo traçar um breve balanço da experiência histórica do primeiro socialismo. Pretendemos retirar lições teóricas e práticas do balanço da experiência do socialismo realmente existente na União Soviética. Advertimos que diferente das analises correntes não acreditamos que o socialismo realmente existente, ou o socialismo real seja algo distinto do socialismo cientifico criado por Marx e Engels e desenvolvido por Lênin. Pelo contrário partimos de uma perspectiva marxista-leninista de analise e por isso mesmo acreditamos que não existe dissonância entre teoria e prática do socialismo.

O comunismo de Marx e Engels não é uma teoria utopista. O comunismo marxista é o movimento real através do qual o proletariado liberta-se da dominação do capital. Portanto podemos e devemos tirar lições práticas e teóricas da experiência do socialismo real para continuar desenvolvendo o socialismo científico, o marxismo-leninismo, o materialismo dialético e histórico, a teoria criada por Marx e Engels, mais tarde desenvolvida por Lênin e aplicada por Stálin na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, por nós analisada.

No primeiro capítulo analisaremos a formação social russa caracterizada pela propriedade latifundiária, o desenvolvimento de relações sociais de tipo capitalistas e o Estado autocrático, assim como a ruptura dessas estruturas pela revolução operária. No segundo capítulo veremos os processos que caracterizam a edificação do socialismo, a industrialização socialista, a coletivização da agricultura e também as condições econômicas e sociais concretas nas quais se levou acabo esses processos. Também dedicamos algumas páginas ao debate entra a teoria do socialismo em um só país e a de revolução permanente. No terceiro capítulo analisaremos a importância da luta do Partido Comunista (bolchevique) da URSS contra as oposições. No quarto capítulo debateremos o desenvolvimento do revisionismo moderno e seu papel na derrocada do socialismo. Aqui é importante lembra que o espaço limitado de que dispomos e o caráter geral deste trabalho termina por limitar o nosso alcance teórico. Por vezes somos forçados a nos ater demais ao aspecto puramente factual do desenvolvimento dos processos, que na política tem uma importância por demais inflacionada.

No capitulo quarto esse problema é mais sensível para nós. Praticamente não abordamos no revisionismo por sua dimensão teórica, ou o fizemos, pelo menos para o nosso gosto, de uma forma muito limitada. Por hora é suficiente que o leitor tenha em mente o seguinte ponto; o revisionismo moderno caracteriza-se pela ideia da coexistência pacífica entre o socialismo e o capitalismo e com isso nega a necessidade da revolução socialista nos países capitalistas e da ditadura do proletariado nos países socialistas. Como consequência os revisionistas modernos negaram também a necessidade do Partido Comunista como organização de vanguarda do proletariado que é e tentaram destruí-lo.

Nos Estados Unidos e na Yugoslávia essa hostilidade do revisionismo ao Partido Comunista ficou mais evidente. Browder dissolve o partido em uma “associação política”, Tito transforma-o em uma “liga” com meras funções educativas e não política. Na União Soviética, onde a tradição revolucionária era mais enraizada pelos 36 anos do regime de Lênin e Stálin, Kruschov não logrou tanto sucesso em destruir o Partido Comunista. O Partido continuou a ser na prática o dirigente e esse papel dirigente continuou sendo consagrado pela constituição do país. Porém, não pode haver dúvidas sobre a hostilidade do kruschovismo ao Partido Comunista. Sobre esse caráter hostil de Kruschov os chineses afirmaram de forma brilhante; “Kruschov tem difamado Stálin ao considera-lo um assassino. Isso não equivale a dizer que durante várias décadas o movimento comunista internacional teve por líder um assassino?” Ou seja, os dirigentes chineses perceberam o que estava no fundo das denuncias dos “crimes stalinistas” por Kruschov, não a acusação de um homem, mas a acusação de um movimento, a acusação de um partido, o Partido Comunista.

Aqui chegamos a outro ponto que merece atenção, os chamados “crimes stalinistas”. Durante décadas Stálin dirigiu um país gigantesco, arruinado pela guerra e cercado de Estados hostis, sob a constante ameaça de uma nova intervenção armada. Intervenção que se tornou uma realidade horrenda por duas vezes e teve por resultado ceifar as vidas de 50 milhões de pessoas. Nesse país a recuperação econômica é sucedida imediatamente pela industrialização acelerada. Um processo titânico sem precedentes, que desenvolve enormemente o as forças produtivas, retira da miséria e da ignorância um povo inteiro e salva o país do esmagamento mais completo pelos agressores nazifascistas.  Por vezes, a situação crítica do país leva Stálin e os círculos governantes a recorrerem à violência para salvar o socialismo dos agentes imperialistas. A extensão do país, as debilidades do aparelho, o frenesi gerado pela guerra total leva a tremendos excessos. A repressão do período “stalinista” vitimou 800 mil pessoas, muitas das quais comunistas honrados que lutaram honestamente pelo socialismo, mas que, porém, caíram nas tramas dos agentes imperialistas, que tentavam induzir a constantes erros os aparelhos do Estado socialista. Os erros cometidos não podem diminui a importância dos processos repressivos para salvar o país da quinta coluna alemã, essa força de guerra colossal que germinara por todo solo europeu na segunda guerra.

Para chegarmos a um juízo de valor adequado sobre o papel da repressão staliniana comparemos a extensão e a importância da quinta coluna alemã, os colaboracionistas, na França e na União Soviética. Se, diferente da França, o país soviético foi capaz de resistir à ofensiva militar do Exército nazista e livrar o mundo desse monstro foi porque seus agentes de espionagem no interior do aparelho militar soviético foram liquidados nos anos 1930 e não puderam ter o poder decisivo que tiveram na França, ou mesmo na Espanha. Pensemos como nasceu o franquismo durante a guerra da Espanha, em que forças estrangeiras ele se apoiava, acaso não fora também um agente quinto-colunista? E veremos a grandeza implícita do “stalinismo”.

Esse é um tema polêmico e assim como o debate teórico do revisionismo desenvolveremos em um trabalho posterior. É importante notar que as discussões sobre os processos dos anos trinta tem sua compressão dificultada por dois fatores; a não compreensão de suas reais motivações e a enorme falsificação da “historiografia” da guerra fria caracterizada pela fraude mais desavergonhada. Aqui a apelidaremos como “historiografia de Allan Dulles” para que se compreenda o seu verdadeiro significado. Por hora delimitamos o projeto de um futuro trabalho. O desenvolvimento de uma explicação pormenorizado sobre as falsificações da história do período staliniano, que visam transforma-lo em algo de similar ao fascismo ou ao nazismo.

Capítulo I – A Revolução de Outubro e a Consolidação do Poder

À 25 de outubro (7 de novembro) de 1917[2], as forças dos guardas vermelhos – operários armados – e das guarnições revolucionárias de Petrogrado tomam o controle da cidade, então capital do império russo. Agiam sob o comando do Comitê Militar Revolucionário e do Centro do Partido bolchevique. À noite, o cruzador Aurora, tomado pelos marinheiros revolucionários, bombardeiam o Palácio de Inverno, iniciando o assalto sob o governo, que, sem conseguir forças para defender-se é forçado a se render. Às 10:40 da noite, inaugurava-se o II Congresso dos Sovietes de Toda Rússia. Os bolcheviques anunciam ao congresso que o Poder havia passado das mãos do governo provisório burguês às do Congresso dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados.

            Nessa noite, os operários e camponeses da Rússia, que fazia poucos meses haviam derrubado o poder secular dos czares, rompiam com as correntes da dominação dos capitalistas e latifundiários, abriam a sua marcha para o socialismo, iniciavam a crise geral do capitalismo e arrastavam o mundo para uma nova era da história da humanidade, a era das revoluções socialistas vitoriosas.

            Essa epopeia extraordinária não tem sua importância esgotada. Longe disso, a compreensão total de sua importância apenas foi iniciada. Esse pequeno artigo tem por objetivo iniciar um estudo da primeira experiência do socialismo no mundo através de uma perspectiva marxista-leninista.

a)      A formação social russa no inicio do Século XX

Até o século XIX, o império russo, um enorme império multinacional, governado pela autocracia czarista dos grã-russos, era o país mais atrasado da Europa em todos os campos. Na política, o Poder estava nas mãos de uma monarquia de religião ortodoxa que baseava seu poder, por um lado, no enorme aparelho militar e policia representado pelo Exército imperial, pela policial política, a Okhrana, e pelos grupos de cossacos, que reprimiam brutalmente os operários grevistas, as seitas religiosas não-ortodoxas, os grupos nacionais minoritários, os intelectuais rebeldes, e mesmo os grupos científicos, por outro, no tremendo atraso das regiões rurais da Rússia, que ainda nas primeiras décadas do século XX eram habitadas pela maioria da população. O isolamento das comunidades rurais, o mir, sua economia de subsistência, criavam nos seus habitantes, os mujiquins, uma mentalidade medieval, propicia a dominação dos monarcas russos. No plano econômico, até 1861, reinou a servidão feudal sob os camponeses e não havia sinais de qualquer desenvolvimento capitalista-industrial considerável (BETTELHEIM, 1979. PP: 189-194 e BROUÉ, 2005. PP: 7-22).

            Só com a derrota do império russo na guerra da Criméia e as revoltas camponesas de proporções assustados que se seguiram é que a servidão foi abolida, os camponeses foram declarados politicamente livres, se seguiu uma redivisão das terras em favor dos proprietários latifundiários e se iniciou o desenvolvimento de relações de tipo mercantis e capitalistas no campo. A situação dos camponeses não melhorou, pelo contrário, eles continuaram escravizados de fato pelas enormes “indenizações” que tinham que pagar a seus antigos senhores pela sua “liberdade”. Não poucas vezes os camponeses ficavam totalmente privados de suas terras e tinham de realizar trabalhos extenuantes nas terras dos grandes latifundiários russos (História do PC (b) da URSS, 1999. PP: 7-8).

            Com o fim da servidão feudal e o desenvolvimento de relações mercantis no campo tem inicio a transformação de tipo capitalista do país. As cidades se avolumam e se criam os primeiros centros industriais. Entre a década de 1880-1890 inicia-se um rápido processo de industrialização. A base desse processo era a indústria mineira e a construção de estradas de ferro. Até o ano de 1900, 21.000 quilômetros de estradas de ferro foram criados. Nasce uma classe operária moderna empregada em empresas com grande concentração de capitais que se elevava a mais de 2 milhões de homens. As condições de existência dos operários russos nesse período eram as piores. Chegavam a trabalhar 14 a 15 horas por dia por salários que não passavam de 8 rublos mensais. Logo se inicia o movimento grevista e se formam as primeiras organizações operárias (História do PC (b) da URSS, 1999. PP. 9-12).

Apesar do rápido desenvolvimento industrial a Rússia continuava sendo um país agrário, com quinto sextos de sua população empregada na agricultura. Nesse setor da economia a inserção do capitalismo dava inicio a uma enorme diferenciação de classes. Processava-se a rápida expropriação dos camponeses economicamente menos abastados, que dispunha de ínfimos recursos pecuniários e de quase nenhuns instrumentos de produção e animais de tração, em proveito dos camponeses mais ricos, os camponeses abastados, ou, kulaks. Por vezes os camponeses expropriados de suas terras eram arrastados ao trabalho nas fazendas dos kulaks, em troca de salários, transformando-se assim num proletariado, ou semi-proletariado da aldeia. Cerca de 80% das grandes propriedades agrícolas contratavam trabalhadores assalariados já na década de 90 do século XIX (LÊNIN, 1988. PP: 127). Sobre as costas dos camponeses russos pesava o julgo dos antigos senhores latifundistas, dos novos senhores capitalistas e do enorme aparato repressor do czarismo. Os operários eram vitimas do mesmo opróbrio. Eram penalizados pelo atraso da Rússia que nivelava a todos os trabalhadores num grau de miséria, pelo rápido desenvolvimento do capitalismo, que lhe cobrava enormes esforços e lhes arrancavam somas incríveis de mais-valia e pelo aparato policial que reprimia suas manifestações de revolta.

b)     O Partido Bolchevique

A base dessas enormes contradições surge e se desenvolve um partido revolucionário, que é o mais revolucionário entre os partidos revolucionários da primeira metade do século XX, o Partido bolchevique. Organizado como tendência política no interior do Partido Operário Socialdemocrata da Rússia, no seu II Congresso (1903) e posteriormente transformado em Partido independente (1912), os bolcheviques herdam a experiência do movimento operário e revolucionário das décadas anteriores, fazem sua a única teoria revolucionária justa, o marxismo, e tem uma experiência prática revolucionária de 15 anos, que lhes permite conduzir os operários revolucionários a vitória sobre a burguesia e os grandes proprietários rurais (LÊNIN, 1980B. PP: 282). O Partido bolchevique tinha por guias os dois principais líderes e teóricos do proletariado internacional, Lênin e Stálin.  Conhecedores do pensamento de Marx e Engels e que o souberam aplicar de forma criadora no fogo revolucionário da luta de classes.

c)      A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa

Em meio aos enormes sofrimentos da primeira guerra mundial (1914-1918) os operários russos derrubam o czar Nicolau II, em fevereiro (março) de 1917, e iniciam uma enorme transformação na Rússia.

A Rússia era então um dos países com a indústria mais concentrada do mundo e passava por um desenvolvimento modernizador. Porém, suas estruturas sociais arcaicas, principalmente, a grande propriedade latifundiária e o poder dos latifundiários eram um obstáculo a esse processo modernizador. Como consequência o desenvolvimento industrial e capitalista da Rússia era subordinado, em parte as enormes inversões de capitais do Estado czarista, mas, principalmente, aos capitais anglo-franceses. Por isso, os capitalistas russos entram na guerra ao lado da Triplice Entente (França e Inglaterra e Rússia) para defender os lucros dos capitalistas anglo-franceses e apoiar os interesses expancionistas do czarismo (BETTELHEIM, 1979. PP: 67-68).

Devido à desproporção de forças militares entre Rússia e Alemanha e a corrupção das autoridades militares e dos altos funcionários do governo o país sofre derrota após derrota e se vê em uma situação difícil. A catástrofe militar na front e a crise econômica na retaguarda levam a revolta geral dos operários, que já educados pelas batalhas revolucionárias de 1905-1907 lutam com decisão, atendem ao chamado do Partido bolchevique, e derrubam o governo em poucos dias, de 24 a 27 de fevereiro (9 a 12 de março) de 1917. Os operários vitoriosos de Petrogrado formam seu Soviet de deputados operários, que rápido se organizam em outras cidades. Os Sovietes eram organizações revolucionárias de massa da classe operária, o gérmen do novo Poder revolucionário (LÊNIN, 1980A. PP: 21-48). Mas, devido à traição dos dirigentes social-revolucionários e mencheviques, que então conseguem a maioria dos Sovietes e a falta de maturidade política dos operários para tomar o Poder, esse cai nas mãos da burguesia (LÊNIN, 1980A. PP: 11-17). Forma-se, em 1º de março 1917, um governo provisório presidido pelo príncipe Lvov, com a participação de representantes da burguesia e dos latifundiários, como Miliukov e Guchkov (História do PC (b) da URSS, 1999. PP: 183 e BETTELHEIM, 1979. PP: 68-69).

O novo governo provisório continua sendo um governo imperialista e pretende prosseguir a guerra. Porém, as liberdades democráticas foram estabelecidas pela ação direta das massas. Estabeleceu-se o direito de reunião, organização, greve e imprensa. O Partido bolchevique foi legalizado. A maioria dos seus principais militantes, que estavam não prisão ou no exílio, entre eles Lênin exilado na Europa Ocidental e Stálin preso na Sibéria Oriental, são anistiados. E podem atuar politicamente de forma aberta e livre.

Num primeiro momento os bolcheviques não falam ainda de insurreição. A sua palavra de ordem “Todo Poder aos Sovietes” pressupõe o desenvolvimento pacifico da revolução. (LÊNIN, 1980A. PP: 16). Na situação de dualidade de poderes, onde o poder burguês (governo provisório) e o poder proletário (Sovietes de deputados operários) conviviam pacificamente e o segundo colaborava e acreditava no primeiro, a atividade dos bolcheviques não poderia ser outra que explicar pacientemente aos operários que o governo provisório não lhes daria o que desejavam (LÊNIN, 1980A. PP: 18-19).

Rapidamente a situação se modificaria. As tentativas do governo de prosseguir a guerra provocam a revolta dos operários. Nas jornadas de Julho, classe operária de Petrogrado manifesta-se contra o governo provisório, contra a guerra e pelo poder dos Sovietes. A manifestação pacifica é respondida com enorme violência por parte do governo. Tem fim a dualidade de poderes. O governo burguês passa a usar a violência contra os operários e a concentrar em suas mãos o Poder. A editora do Partido bolchevique é fechada. O Partido é proibido. Alguns dirigentes bolcheviques são presos. Decreta-se a prisão preventiva de Lênin e o governo começa a tramar seu assassinato. O governo tenta desarmar os guardas vermelhos e inicia a campanha para “restabelecer a ordem”. O ponto máximo dessa campanha é a tentativa de golpe de Estado do general Kornilov (BROUÉ, 2005. PP: 106-110).

Os bolcheviques direcionam-se para a insurreição. No VI Congresso (agosto de 1917), após analisar a nova situação, o Partido aprova a nova tática. Os Sovietes se direcionam para os bolcheviques. Nas fileiras da burguesia, a confusão. Os partidos da pequena-burguesia se decompõem rapidamente. Na manha 24 de outubro (6 de novembro) de 1917, o governo, já sob a direção de Kerenski, lança carros de assalto para tomarem as oficinas bolcheviques. Às 10 horas da manha, Stálin manda as divisões de guardas vermelhos e de soldados revolucionários retomarem as oficinas e, as 11 horas, saem os números do jornal bolchevique com o apelo a derrubada do governo. Na manha do dia seguinte as forças bolcheviques tomam os pontos centrais da cidade. A noite é tomado o Palácio de Inverno. No Smolni reúne-se o segundo Congresso dos Soviets, que assume o Poder, votando os decretos da paz (proposta de armistício e de paz sem anexação para todos os países beligerantes) e da terra (nacionalização das terras dos latifundiários e sua entrega ao usufruto gratuito dos camponeses) e elegendo um Comitê Executivo dos Sovietes de maioria bolchevique e um Conselho de Comissários do Povo presidido por Lênin e com a participação de Stálin.

A partir de 26 de outubro, os delegados do Congresso dispersam-se por toda Rússia. Desenvolvem-se lutas pelo Poder Soviético em toda Parte. Os camponeses agitados pela posse da terra apoiam o novo Poder dos operários. Até março de 1918, o Poder Soviético está consolidado em todo país. A terra nacionalizada está sob a posse dos camponeses. São nacionalizados os bancos. O Conselho de Comissários do Povo dirige o país. A Assembleia Constituinte burguesa é dissolvida. Dissolvi-se também a policia e o Exército, em seu lugar é formado o novo Exército Vermelho e a Comissão Extraordinária de Toda Rússia[3]. O poder judiciário é submetido ao sufrágio popular. Estabelece-se a igualdade de direitos para as mulheres e as nacionalidades nãorussas. Instaura-se a jornada de trabalho de 8 horas. Anula-se a divida externa. O comércio exterior passa a ser monopólio do Estado Soviético. A indústria pesada é nacionalizada. É proclamada a constituição da República Socialista Federativa Soviética da Rússia (História do PC (b) da URSS, 1999. PP: 220-226).

Capítulo II – A construção do socialismo

Entre outubro de 1917 e os primeiros meses de 1918, a classe operária russa, a frente dos camponeses, e dirigida pelo Partido bolchevique, destrói o Estado burguês, organiza o novo Poder Soviético dos operários e camponeses e estrangula a poder econômico da burguesia, nacionalizando os pontos chaves da economia. Mas, mal começa os primeiros trabalhos de edificação da nova economia socialista e já é submetida a uma terrível ofensiva do imperialismo apoiada pela reação interna. As tropas da Entente, japonesas, alemãs checoslovacas e polonesas apoiadas pelos guardas brancos russos iniciam a ocupação da Rússia e a guerra contra o Poder Soviético. Uma guerra pela restauração do capitalismo que custa a vida de 13 milhões de seres humanos. Os operários e camponeses que temem a restauração do Poder dos latifundiários e capitalistas cerram fileiras em torno do Partido bolchevique de Lênin e Stálin e rechaçam os invasores. Sob o regime de “comunismo de guerra” o novo Poder consegue salvar as cidades russas do desaparecimento pela fome e abastecer o Exército Vermelho[4]. A batalha é dura, e prossegue até 1920, quando finalmente os imperialistas são forçados a deixar o País dos Sovietes.

Ao fim da guerra civil e de intervenção estrangeira seguisse o bloqueio das potencias imperialistas. Os bolcheviques serão forçados a edificar o socialismo sob as mais duras condições.

a)      A catástrofe do pós-guerra e a Nova Política Econômica

Após quatro anos de guerra imperialista e três anos de intervenção militar estrangeira a economia russa está arrasada. O quadro é de uma verdadeira catástrofe econômica. A produção agrícola equivale à metade do nível de antes da guerra e a produção industrial é sete vezes menor. A fundição de ferro em todo ano de 1921 não passou de 3% do nível de 1913. Escasseiam os artigos de primeira necessidade, como pão, gorduras, carne, calçado, peças de roupa, fósforos, sal, petróleo, sabão (ELLENSTEIN, 1976A. PP: 170 e seguintes).

            Os camponeses, os mais penalizados pela política do comunismo de guerra, que impunha penosas quotizações sobre os produtos agrícolas e proibia o comércio privado de trigo são os primeiros a demonstrar sua insatisfação quanto ao Poder Soviético. A aliança operário-camponesa rompeu-se na prática (BETELHEIM, 1979. PP: 211-212).

            A base da ditadura do proletariado também está fragilizada. A queda extrema dos níveis de produção nos diversos ramos da indústria faz muitas fábricas fecharem as portas, e os operários desempregados retornam ao campo. A perda da melhor parte dos efetivos operários para os serviços do Exército Vermelho e da administração dos Sovietes, enquanto uma massa de pequenos e médios comerciantes expropriados adere à atividade produtiva muda a composição social da classe operária (BETTELHEIM, 1979. PP: 158).

            A situação de crise exige uma mudança radical na política econômica do governo bolchevique. Por isso, Lênin faz aprovar no X Congresso do Partido bolchevique, de março de 1921, uma serie de medidas econômicas que ficariam conhecidas como NEP, a Nova Política Econômica. Todas as principais medidas do “comunismo de guerra” são abolidas, sobretudo a quotização de produtos agrícolas, e é concedido aos camponeses o direito de comercializar livremente o seu excedente de produção. São organizadas empresas privadas no ramo do comércio varejista e da pequena indústria, bem como na indústria artesanal na cidade e no campo. Reintroduziu-se a moeda e, posteriormente, o imposto em dinheiro. Foi restaurado o Banco do Estado. Criou-se o plano de eletrificação do país e a Comissão Estatal de Planejamento Econômico[5].

            O objetivo do Partido bolchevique com a NEP era restabelecer a aliança operário-camponesa, revitalizar a agricultura através do interesse pessoal do camponês pela produção, abastecer as cidades de mantimentos agrícolas através do comércio e com base nisso reestrutura a indústria socialista do Estado para retomar a ofensiva contra o capitalismo. Era um passo atrás, para poder realizar um salto à frente (ELLENSTEIN, 1976B. PP: 9-28).

            A política econômica seguida pelo Partido bolchevique não demoraria a dar resultados. Em 1922, já se havia superado os anos das más colheitas, a indústria ligeira voltava a se reanimar, contraindo o desemprego, e os salários reais dos operários crescia. No XI Congresso do Partido, em março de 1922, Lênin afirma, frente às demandas da oposição de entregar pontos chaves da economia nacional ao capital imperialista sob a forma de concessões temporárias, que o período de retirada havia se encerrado e que era a hora de preparar a ofensiva.

Para Lênin, depois de restaurada a economia nacional tratava-se de realizar a tarefa de construir uma economia socialista integral na URSS. Acreditava que “o comunismo é o Poder Soviético mais a eletrificação de toda Rússia” (LÊNIN apud MARTENS, 2003. PP: 53). E reintera esse pensamento em seu último discurso público, em novembro de 1922, quando afirma, “Da Rússia da NEP nascerá à Rússia socialista” (LÊNIN, 1980B. PP: 635).

b)     O socialismo em um só país

No dia 12 de janeiro de 1924 morre, em Gorki, Vladimir Ilitch Lênin. Doravante caberia a Stálin, seu sucessor na direção do Partido Comunista (bolchevique) da URSS, dirigir os operários e camponeses soviéticos na enorme batalha pela construção do socialismo.

            Nesse momento o capitalismo mundial passava por um processo de reestabilização parcial e o movimento revolucionário na Europa ocidental era derrotado. O Partido bolchevique sabia que o restabelecimento do capitalismo e a derrota do movimento revolucionário eram somente momentâneos. Porém, não se podia prever quando nem onde reabrir-se-ia a senda revolucionária. O Partido tinha que resolver a questão, o que fazer neste interregno? Colocava-se o problema da edificação do socialismo num imenso país rural isolado e cercado pelo mundo capitalista. A questão a responder era a seguinte; é possível construir o socialismo em um só país?

            Para responde a essa pergunta Stálin relembra, em seu discurso na Universidade de Sverdlov, às palavras do fundador do Partido bolchevique, poucos dias após este ter falecido;

Todos os grandes meios de produção em poder do Estado e o Poder estatal nas mãos do proletariado; a aliança deste proletariado com os muitos milhões de camponeses e muito pequenos camponeses; a garantia de que o proletariado dirija os camponeses, etc. Acaso não é tudo isso necessário para que, com a cooperação e apenas com a cooperação, que antes designamos como mercantilista e que agora, sob a orientação da NEP, merece também de certo modo a mesma designação, acaso não é tudo isso necessário para construir a sociedade socialista completa? Não é ainda a construção da sociedade socialista, mas realmente é tudo necessário e suficiente – o grifo é nosso – para esta construção (Lênin, 1980B. PP: 657-658).

A base destes ensinamentos, Stálin e o Comitê Central do Partido bolchevique seguiam acreditando ser possível construir o socialismo na URSS.

O programa leninista previa a industrialização socialista – “o comunismo é o Poder Soviético mais a eletrificação de toda Rússia” – e a coletivização da agricultura através da cooperação camponesa – “com a cooperação e apenas com a cooperação, construir a sociedade socialista completa”. A oposição, que agora atuava no interior do Partido bolchevique e do Estado Soviético prossegue injuriando esse programa e propagando o pessimismo entre a classe operária quanto ao sucesso do socialismo na URSS. Apoiando-se na naufragada teoria da revolução permanente, tantas vezes escarnecida por Lênin, os oposicionistas, trotskistas, zinovievistas e bukharinistas, formulam um programa alternativo ao programa leninista, que se fundamenta na transformação da União Soviética em um estado vassalo dos países imperialistas, num fornecedor de produtos agrícolas para esses, enquanto permanece dependente do maquinário importado dos países capitalistas mais avançados. Constantemente tencionam entregar pontos chaves da economia ao capital estrangeiro sob a forma de concessões ou de empresas de capital misto e até mesmo põem em cheque o monopólio do comércio exterior. Por vezes dissimulam suas posições capitulacionistas formulando planos irrealistas de hiperindustrialização.

Trotsky queixa-se em sua obra mais famosa, A Revolução Traída, de que, em 1929, Stálin adota um plano de industrialização que previa índices de crescimento econômico idênticos aos exigidos pela oposição trotskista em 1925, ou seja, quando o país não havia ainda alcançado os níveis de produção de antes da guerra (TROTSKY. 2005. PP: 63). E ao mesmo tempo agita a teoria da revolução permanente sob a impossibilidade da construção de uma economia socialista industrializada num país atrasado como a URSS.

Para assegurar sua vitória, a vanguarda proletária deveria, desde os primeiros dias da sua dominação, operar incursões as mais profundas possíveis não somente na propriedade feudal, mas também na propriedade burguesa. Fazendo isso ela entraria em coalizões hostis, não apenas com todos os grupamentos da burguesia que a tinham sustentado no começo da sua luta revolucionaria, mas também com as grandes massas do campesinato cujo concurso a teria levado ao poder. As contradições no interior do governo operário de um país atrasado, onde a maioria esmagadora da população é composta de camponeses, poderiam encontrar sua solução unicamente sobre o plano internacional, na arena da revolução mundial do proletariado[6].

Enquanto a oposição trotskista apregoava uma hiperindustrialização no período em que a Rússia ainda não produzia metade do que produzia antes da guerra, Trotsky pregava que as contradições do governo operário daquele país eram insolúveis sem o auxilio da revolução mundial. Não pode haver dúvidas, o plano trotskista não era outro, senão minar e sabotar a edificação socialista na URSS.

c)      A industrialização socialista

Seguindo a linha geral leninista do Partido bolchevique, defendida por Stálin, o Poder Soviético logrou enorme sucesso na edificação socialista. Os níveis de produção de antes da guerra foram alcançados e superados no ano econômico de 1926-27. Em 1928-29 entra em vigor um plano quinquenal que visa uma inversão de 64.600 milhões de rublos na economia nacional durante os anos de 1928 a 1933. Destes, 19.500 milhões se inverteriam na indústria[7].

            A tarefa de restabelecer a indústria de antes da guerra foi realizada, mas o Partido sabia que era impossível construir o socialismo a base da técnica antiga que caracterizou o período czarista. Esta podia se tornar obsoleta a qualquer momento. Além do mais, a indústria pesada, a que produzia os meios de produção era ainda insuficiente e a URSS continuava um país agrário e dependente do maquinário estrangeiro. Era preciso industrializar o país. Desenvolver seu setor socialista industrial. Equipar o país de máquinas novas. Torná-lo independente frente ao capital imperialista estrangeiro.

            A revolução de outubro expropriara os capitais da grande burguesia nacional russa, pondo todo ele a disposição do Estado socialista soviético. Essa riqueza já não era mais consumida pelos parasitas capitalistas e podiam servir aos fins da industrialização. A revolução também anulara a dívida externa contraída pelo czar, liberando assim centenas de milhões de rublos todos os anos, somente no que se refere aos juros. A reforma agrária não havia concedido aos camponeses somente a terra, mas também, cerca 500 milhões de rublos ouro, equivalentes as rendas da terra, com os quais os camponeses podiam ajudar o Estado no processo da industrialização. E é com esses recursos imensos que o Poder Soviético realiza a industrialização socialista na URSS (História do PC (b) da URSS, 1999. PP: 290-291).

            Durante a década de 1930 a URSS realiza com êxito a sua revolução industrial socialista. Em 1932, a força de trabalho industrial já atingia o número de 6 milhões de pessoas e é erradicado o desemprego em todo território soviético (MARTENS, 2003. PP: 64). O produto industrial bruto passou de 18.300 milhões em 1927-28 para 95.500 milhões em 1937. A produção de aço foi de 3,3 milhões de toneladas para 14 milhões no mesmo período. Em 1935, a União Soviética dispunha de uma potência 4,07 milhões de Kw de eletricidade, 233% do que o previsto para aquele ano pelo plano de eletrificação de 15 anos elaborado por Lênin em 1920 (MARTENS, 2003. PP: 72-74). Em dois planos quinquenais a URSS havia realizado seu projeto de industrialização socialista. Passava dum país arruinado que era em 1921 a uma potência industrial colossal que fora capaz de abater os agressores nazistas na segunda guerra mundial. A industrialização possibilitou ainda a realização do socialismo pleno na indústria, pois a indústria socialista do Estado pode suplantar a indústria privada completamente e ajudou a realização do socialismo no campo, dispondo máquinas de tração modernas para a agricultura coletiva (MARTENS, 2003. PP: 63-74).

d)     A coletivização da agricultura

Outra tarefa fundamental para a realização completa do socialismo na União Soviética era a coletivização da agricultura. As estruturas agrárias herdadas do período czarista eram arcaicas. A estrutura de pequena produção mantinha os níveis de produção agrícolas extremamente baixos e os métodos e ferramentas modernas de produção eram praticamente inacessíveis aos camponeses. A submissão da agricultura às inconstâncias da natureza devido ao baixo nível técnico provocava constantes crises de má colheita e de fome. Uma das mais graves dessas, entre 1891-92, custou à vida de 100 mil pessoas numa área de 500.000 quilômetros quadrados (BROUÉ, 2005. PP: 10).

A reforma agrária do Poder Soviético eliminou as grandes unidades produtoras dos latifundiários e dessa maneira aumentou o número de pequenas propriedades agrícolas, diminuindo a quantidade de cereal fornecida ao mercado. Os níveis de produção agrícolas atingem os de antes da guerra no ano econômico de 1926-27, mas a quantidade de cereais comercializados era inferior ao de 1913.  Em 1927 a quantidade de cereais fornecidos a cidade e ao Exército era de 10 milhões de toneladas contra 18,8 milhões vendidos em média, entre os anos de 1909-1913 (MARTENS, 2003. PP: 76). A essa altura 7% dos camponeses estavam sem terra, ou seja, 1.700.000 chefes de família, e a cada ano esse número aumentava em um quarto de milhão. Os camponeses pobres eram 35% e os médios 53% da população camponesa. Enquanto o número de camponeses ricos não passava de 5% dos camponeses, mas a sua importância econômica se media não pelo seu percentual relativamente ao cujo dos camponeses e sim pela quantidade de cereais que fornecia no comércio. Os kulaks e a camada superior dos camponeses médios, 10 a 11% das famílias realizavam 56% das vendas de cereais. Os setores socialistas da agricultura, os kolkhoses e os sovkhoses[8] realizavam 1,7% das vendas, não obstante comercializassem 47,2% de suas colheitas (MARTENS, 2003. PP: 79-80).

Tal era a corelação de forças entre setores socialistas e capitalistas na agricultura soviética no ano de 1927. A agricultura coletiva fornecia 570 mil toneladas de trigo ao mercado e os kulaks 2,13 milhões (MARTENS, 2003. PP: 80).

No inicio dos anos vinte o governo planejava compra os artigos agrícolas a um preço relativamente baixo para dispor de maiores recursos para a industrialização. Esse projeto é frustrado pelas más colheitas de 1924-25, quando o kulak aproveita-se da escassez de cereais para especular com a penúria nos mercados. Nesse ano a União Soviética abandona também o seu projeto de exportação de cereais e diminui a importação de equipamentos industriais. A elevação da colheita no ano seguinte permite reduzir os preços de compra de cereais. Mas, em 1927, a colheita de cereais cai ao nível de 1925 e os kulaks voltam a rebelar-se contra o preço taxado pelo Estado. A grave situação nas cidades, onde o comércio de artigos alimentícios permanecia na mão dos nepman’s[9] e o desemprego mantém-se elevado até as vésperas da grande virada de 1929 faz notar ao Poder Soviético que um novo enfrentamento social de classes se preparava (MARTENS, 2003. PP: 80-81).

A oposição aproveita-se da situação para lançar sua nova ofensiva. O líder da oposição naquele momento era Bukharin, que passa a questionar os ritmos de industrialização propostos pelo Comitê Central e realiza uma defesa aberta do setor capitalista da agricultura, lançando a palavra de ordem “enriquecei-vos”. Suas opiniões eram respaldadas pelo economista burguês Kondratiev. Então influente no Comissariado da Agricultura e das Finanças, Kondratiev pregava uma maior diferenciação de classes no campo. Estava claro para o Partido que se tratava de uma nova luta revolucionária de classes entre a via capitalista e a via socialista na agricultura da URSS. Só existia duas escolhas, ou prosseguir com a diferenciação de classes e o controle dos kulaks sobre o comércio de cereais ou passar a via da agricultura coletiva em larga escala (MARTENS, 2003. PP: 81-84).

Em meio a essa situação os Poder Soviético passa à ofensiva. Entre os anos de 1927-28 aplica contra os kulaks o artigo 107 do código penal soviético que prevê o confisco judicial dos cereais armazenados para a especulação e fornece parte do trigo confiscado aos camponeses pobres e médios, que passam a ajudar o Estado na luta contra os especuladores. Adota também medidas para desenvolver a agricultura coletiva em larga escala. No ano de 1929 a quantidade de cereais comercializados pelos kolkoses alcança a quantidades fornecidas pelo kulak dois anos antes, 2,2 milhões de toneladas e Stálin estabelece para o ano seguinte à meta de 6,6 milhões. O número de famílias kolkosianas sobe de 286.000, em 1927, para 1.008.000 em 1º de junho de 1929 (MARTENS, 2003. PP: 86).

Os kulaks reagem de forma violenta ao imenso avanço do movimento kolkosiano. Em muitas regiões assassinam as famílias kolkosianas e os ativistas do Partido e sabotam a economia kolkosiana. O Partido passa a política de deskulakização. Passa-se a uma nova etapa do movimento socialista na agricultura soviética, a uma etapa de verdadeira guerra revolucionária contra o kulak, trata-se da segunda revolução socialista da URSS. O Partido, que era extremamente débil das regiões agrícolas a enfrenta com enormes dificuldades. Em janeiro de 1930, o Partido possuía somente 339.000 comunistas nas regiões rurais, onde a população se eleva a cifra de 120 milhões de pessoas (MARTENS, 2003. PP: 91)! Pode-se dizer, que pelo menos nos primeiros anos da coletivização da agricultura, a atuação do Partido não foi muito além de fornecer orientações e ajudar através do poder econômico do Estado os camponeses, que realizaram de fato sozinhos, ou, melhor dizendo, de maneira espontânea, a coletivização. É verdade que o Partido realizou enormes iniciativas para apoiar ativamente movimento, como a organização dos 25.000[10], mas, tal movimento continuou no essencial um movimento espontâneo de massas. Em parte, esse espontaneismo do movimento kolkosiano – resultado da debilidade do Partido no campo – foi o motivador de inúmeros excessos no movimento coletivista. Em um artigo de 1930, Vertigens do Sucesso, Stálin os põe a nu e posteriormente o Comitê Central do Partido toma medidas para limitá-los (MARTENS, 2003. PP: 110-117). Apesar destes excessos o movimento conquista enormes sucessos e na segunda metade da década de 1930 a coletivização está praticamente realizada.

Em 1936, 90,3% das famílias passaram já para a economia coletivizada (MARTENS, 2003. PP: 118). Cria-se as SMT, estações de máquinas tratores, e, em 1940, a União Soviética já contava com 522.000 tratores funcionando na agricultura (MARTENS, 2003. PP: 121). Graças a coletivização a má colheita de 1936 – decorrente das condições climáticas – não resultaram em uma crise de fome como a de 1891-92, não obstante a população camponesa haver crescido, de 120 a 132 milhões, entre 1926 e 1934, e a urbana, de 26,3 para 61 milhões, no mesmo período. O consumo camponês cresceu, no ano de 1938, relativamente ao antigo regime as seguintes percentagens; 125% para pão e farinha, 180% para batatas da terra, 147% para frutas e legumes, 148% para leites e produtos derivados e 179% para carne e derivados. O valor global da produção agrícola, que oscilava entre 14,7 e 13,1 bilhões de rublos, nos anos de 1928 a 1934, passou para 23,2 bilhões, no ano de 1940 (MARTENS, 2003. PP: 123).

Capítulo III – A luta contra a oposição

A luta contra a oposição pequeno burguesa no interior do Partido Comunista (bolchevique) da URSS é outro elemento de extrema importância na luta pela edificação socialista na União Soviética.

A luta do bolchevismo no interior do Partido e do movimento operário contra tendências antimarxistas é anterior a tomado do Poder. Já no seu nascimento o bolchevismo desenvolve uma luta encarniçada contra as tendências pequeno-burguesas no movimento operário. As diversas tendências opostas ao bolchevismo no movimento operário têm configurações de esquerda e de direita, mas não são mais que uma complementação dialética das vacilações pequeno-burguesas refletidas no movimento operário, formando por tanto um único bloco direitista-esquerdista, que tem como resultado desestabilizar a solidez orgânica do proletariado, propagar o ecletismo em suas fileiras, tendência filosófica contraoposta a dialética (LÊNIN, 1980B. PP: 449) negar a necessidade de uma sólida organização revolucionária do proletariado, que tenha um caráter único e indivisível. Todas as inúmeras tendências antibolchevistas no movimento operário estão ligadas por um fio inconfundível de continuidade, a negação da necessidade do partido revolucionário de vanguarda do proletariado, a negação da necessidade do Partido Comunista.

            O primeiro inimigo que o bolchevismo enfrentou no movimento operário foi, antes mesmo de se consolidar como tendência política distinta, o economicismo. Essa tendência – que era uma tendência pequeno-burguesa de direita – contrapunha a espontaneidade das massas contra a consciência socialista e exigia que não se superestimasse o papel do elemento consciente. Não fazia mais que abrir as portas do movimento operário a influência da burguesia, sob a forma do sindicalismo que não visa mais que arrancar pequenas concessões à burguesia, migalhas e esmolas, e não acabar com a exploração capitalista. Contra esses, Lênin demonstrava que não havia escolha, ou se segue pelo caminho da ideologia burguesa ou da ideologia socialista, não existe um terceiro caminho, e que qualquer subestimação do papel da consciência socialista era fortalecer a ideologia burguesa (LÊNIN, 1979. PP: 107-108).

Os economicistas são derrotados politicamente por Lênin e o conteúdo de seu pensamento é desmascarado por ele em seu livro “Que Fazer?”, mas sua influência não desaparece totalmente do movimento operário. Não poderia ser de outra maneira, enquanto existirem as raízes materiais para seu desenvolvimento, as diversas teorias que se contrapõe a organização política dos operários independente da burguesia continuaram a reaparecer sob as mais diversas formas. Os economicistas são sucedidos pelos mencheviques, que já não negavam mais a necessidade do Partido, mas tencionam transformá-lo num conjunto amorfo, onde não era preciso mais do que ser um simpatizante da causa para ser considerado membro.

            Em 1912, o Partido bolchevique passa a se organizar como partido político independente em relação às demais tendências do movimento proletário. É um feito histórico Sem precedentes, pela primeira vez um partido operário é composto exclusivamente por uma tendência revolucionária, baseado em um programa único e com uma disciplina de ferro, organizada sob os princípios do centralismo democrático. Tratava-se de um Partido de novo tipo, um partido leninista (História do PC (b) da URSS, 1999. PP: 142). Porém, as pressões da ideologia burguesa continuam a se manifestar mesmo nesse partido revolucionário de novo tipo. Uma série de seus militantes começa a vacilar e reabilitar as velhas teses pequeno-burguesas que imperam no movimento operário. No VI Congresso do Partido, em agosto de 1917, Preobrazhenski afirma que a revolução russa só poderia se encaminha para o socialismo se a revolução proletária triunfasse na Europa ocidental. Bukharin, manifesta-se na mesma ocasião em favor dessa teoria pseudomarxista conhecida como “teoria da revolução permanente”, afirmando que os camponeses formam um único bloco contrarrevolucionário e que, portanto, não poderiam apoiar a revolução socialista na Rússia.

            Nos anos posteriores a tomada do poder, esses velhos bolcheviques degenerados se valem dessa mesma teoria que também servira aos mencheviques em seu tempo para lutarem contra o Partido e sua linha geral leninista. Afirmavam que a passagem da Rússia ao socialismo resultaria numa catástrofe econômica completa.

A história não os deu razão, a União Soviética caminhou para via do socialismo integral e longe de conhecer a ruína econômica completa, conheceu os maiores índices de crescimento econômicos até então registrados pela história, eliminou o desemprego e as crises estruturais de fome no campo, bem como elevou um povo de 160 milhões de habitantes do obscurantismo cultural mais completa ao nível de uma cultura avançada. Porém, esses homens continuaram a travar sua luta desesperada contra o novo modo de organização social, cujo triunfo tão maravilhoso não puderam prever e cuja sua natureza de classe os impulsionava a combater. No que foram apoiados pelo campo imperialista e a burguesia expropriada que os ajudava.

            A plataforma da oposição ia de encontro às aspirações de um corpo de funcionários do Estado de alta formação e salários elevados que era hostil a ditadura do proletariado. No ano de 1922 uma pesquisa realizada entre os funcionários soviéticos com formação em engenharia demonstra que somente 9% dos antigos funcionários e 15% dos novos declaravam-se favoráveis ao regime soviético (BETTELHEIM, 1979. PP: 470).

            A demanda dos altos funcionários estatais de livrarem-se do controle dos comunistas é reforçada pelas diversas alas de oposição no interior do Partido Comunista, que clamavam pela diminuição do papel do Comitê Central na direção econômica. Era essa a palavra de ordem da oposição operária, que se opunha pela esquerda ao papel do partido proletário na direção da economia, exigindo que essa fosse entregue ao controle dos sindicatos (BETTELHEIM, 1979. PP: 354). Pela direita, Trotsky e Bukharin não negam abertamente a participação do Partido Comunista na direção da economia, mas reivindicam a estatização dos sindicatos e a organização militar do trabalho, o que significa reduzir os comunistas a meros burocratas estatais e eliminar o conteúdo revolucionário de sua política (BETTELHEIM, 1979. PP: 350-354, principalmente a página 351). O fundo dessa política é a eliminação da ditadura do proletariado na direção econômica e a transformação do Estado Soviético em um Estado burguês, dirigido por funcionários hostis à ditadura do proletariado.

            Notando a situação de perigo o X Congresso do Partido Comunista aprova, sob a orientação de Lênin, uma resolução Sobre a Unidade do Partido, na qual se faz uma profunda analise da tática e do perigo da contrarrevolução burguesa no período do socialismo. Esse perigo consiste em uma ruptura da unidade do Partido Comunista, pela qual trabalha a burguesia, valendo-se das vacilações dos elementos pequeno-burgueses no interior do campo popular e agitando a bandeira do pluralismo “socialista”, parra corroer a ditadura do proletariado.

            No projeto de resolução apresentado por Lênin sobre a unidade do Partido afirma-se que na “luta contra o fracionismo é preciso que cada uma das organizações do partido respeite com o maior rigor a inadmissibilidade de quaisquer atuações fracionistas.” Exige que o congresso “determine que se dissolvam imediatamente todos os grupos, sem exceção, que se tenha formado com base numa ou noutra plataforma.” Ressalta que o descumprimento dessa decisão deve implicar a imediata expulsão do Partido. Por fim, conclui que para a realização efetiva da disciplina partidária era necessário conceder poderes extraordinários ao Comitê Central para expulsar qualquer membro que descumpra as resoluções incluindo um membro do próprio Comitê Central (LÊNIN, 1980B. PP: 486-488).

            Portanto a luta contra o fracionismo e a oposição dentro do Partido não é de maneira alguma uma deformação “stalinista”, mas sim um princípio do leninismo, indispensável para manter a ditadura do proletariado, o qual Stálin soube defender e desenvolver.

Capítulo IV – O revisionismo e a restauração do capitalismo

Em meio a uma guerra de classes prolongada o socialismo estendeu-se sobre um terço do globo terrestre e conquistou enormes vitórias. Apesar de todas as profecias apocalípticas a edificação da sociedade socialista completa foi executada pelo Partido bolchevique com enormes sucessos. As forças produtivas materiais se desenvolveram como nunca antes e o nível material e cultural do povo trabalhador se elevou de forma impensável. Somente no primeiro plano quinquenal o número de alunos em escolas superiores na União Soviética passou de 160.000 para 470.000, e o percentual de alunos de origem operária aumentou de um quarto para metade (LOSURDO, 2009. PP: 45-46).

            A burguesia imperialista internacional nunca esteve satisfeita com a derrota sofrida e lançou mão de todos os recursos para derrubar o novo regime. Seu programa consistia em derrubar o Partido Comunista do Poder e restaurar o capitalismo. Após a vitória da revolução de outubro de 1917 lançou mão da primeira tentativa de restauração através da intervenção armada, que tinha no momento como protagonistas a França e a Inglaterra. Não acomodada pelo fracasso da primeira expedição, sobrevém uma segunda, cuja violência ameaça extinguir a vida na URSS, e tem essa como fim declarado (LOSURDO, 2009. PP: 44-45). É a agressão fascista alemã do inicio dos anos 1940. As duas ações armadas do imperialismo, anglo-francês e alemão, pela restauração do capitalismo na URSS custa, ao todo, as vidas de 50 milhões de pessoas naquele país. Trata-se de um dos maiores crimes da história do capitalismo. Ao mesmo tempo os Estados burgueses lançam mão da espionagem e da diversão ideológica para sabotar o projeto de edificação econômica e política do Estado socialista, valendo-se das divergências no seio do poder soviético recruta os seus agentes e promove complots, como o organizado pelo general Tukhachevsky (MARTENS, 2003. PP: 217-236).

            As duas ofensivas militares do capitalismo-imperialista internacional, com seus enormes custos humanos, e os complots militares, não são, porém, capazes de desviar os povos da União Soviética do caminho da edificação do socialismo. A burguesia internacional veria ainda a necessidade de lançar mão de outra cartada. Trata-se do revisionismo.

            Já em abril 1908, Lênin afirmava que o revisionismo consistia em “caminhar a reboque da ciência acadêmica burguesa” (LÊNIN, 1979. PP: 41). E explicava que os revisionistas pretendiam “emendar” o marxismo, para assim “melhorá-lo”, mas tudo que consigam de fato era deformá-lo em sentido burguês (LÊNIN, 1979. PP: 40-46).  Para Lênin o revisionismo não era outra coisa que uma reedição das ideias das correntes socialistas pré-marxistas (proudhonismo etc.) no interior dos partidos marxistas (LÊNIN, 1979. PP: 41). Ao falar de revisionismo, Lênin tinha em vista sobre tudo as correntes que se desenvolveram nos partidos socialistas da Europa e da America com base nas ideias do alemão socialdemocrata Eduard Bernstein e definia a finalidade última delas, nos seguintes termos, já em 1902; “transformar o partido marxista, de partido da revolução socialista em um partido democrático de reformas” (LÊNIN, 1979. PP: 84).

            Esse revisionismo antigo que pregava abertamente a nulidade das esperanças do marxismo numa revolução social da classe trabalhadora e na vitória do socialismo é derrotado pelo próprio curso da história, no qual influi enormemente a atuação do próprio Lênin, de Stálin e de tantos outros marxista-leninistas. Triunfa a revolução socialista na Rússia, edifica-se uma sociedade socialista completa neste país, após a tentativa de seu esmagamento pelas tropas do fascismo alemão o socialismo expande-se pela Europa, combinando a grande guerra patriótica da URSS e as guerras de libertação nacional dos países da Europa contra o terceiro reich nazista. Após o esmagamento de Hitler em maio de 1945, fundam-se os regimes de democracia popular na Europa oriental que a partir de 1948 aderem ao socialismo. A bancarrota do imperialismo japonês aliado dos nazistas alemães resulta na libertação nacional da República Democrática Popular da Coréia (do Norte) e da República Democrática do Vietnã, ambas identificadas com o bloco socialista. A vitória da grande revolução chinesa em outubro de 1949 direciona para o campo do socialismo o povo mais populoso do mundo.

            A vitória extraordinária do socialismo a nível mundial fez ver a todos que o socialismo havia conquistado seu direito de existir. No fim da segunda guerra mundial é a situação do capitalismo que é capenga e difícil. Perdera para o seu mercado mundial um terço do globo, os imperialismos japonês, alemão e italiano deixaram temporariamente de serem potências ameaçadoras, os imperialismos francês e inglês se encontravam gravemente debilitados. Só uma potência imperialista saíra fortalecida da guerra, os Estados Unidos da América. Está precisava reerguer as demais potências e unificá-las sobre sua aza para lançá-las contra a União Soviética e seu bloco de países socialistas. Mas os enormes custos de duas guerras mundiais – aqui não se trata dos curtos humanos, o capitalismo é incapaz de raciocinar dessa maneira, se trata dos custos estratégicos – haviam convencido aos capitalistas que a estratégia dá intervenção armada direta não era mais viável – pelo menos não por enquanto –, que deveriam passar a outra tática. Qual seja?

a)      Histórico do desenvolvimento do revisionismo

O revisionismo moderno, diferente do revisionismo do período precedente é caracterizado por haver nascido após a vitória da revolução socialista em um terço do mundo. Portanto, não se tratava mais de evitar o triunfo dessa revolução e sim de neutralizar as suas conquistas.

O sistema doutrinário do revisionismo moderno nasce nos Estados Unidos e é a arma utilizada por esse país para submeter a seu controle os partidos comunistas dos países socialistas da Europa.

Em 1944, um livro sai à luz, “Teheran, Our Path in War and Peace”, de autoria do secretário-geral do PC dos Estados Unidos, Earl Browder. Browder elabora está obra em forma de documento programático de caráter estratégico e tático para o movimento comunista mundial. Era na realidade um “porta a fora” de todo o socialismo.

Segundo afirma, suas propostas estavam respaldadas pela própria política externa do governo soviético. Na verdade, Browder interpretava e destorcia essa política ao seu bel prazer, fazendo passar como própria do CC do PCUS, a sua teoria do “espírito de Teerã” (HOXHA, 1983. PP: 21-27).

            Segundo diz, após o fim da segunda guerra mundial, a aliança entre os “Três Grandes”, URSS, EUA e Reino Unido – estabelecida para derrotar os países do pacto tripartite – deve prosseguir.  A vitória sobre o fascismo, supostamente faria desaparecer as contradições fundamentais entre socialismo e capitalismo e a colaboração entre os dois sistemas ajudaria a superar as tarefas impostas a humanidade nos próximos anos. Valendo-se desse programa, Browder dissolve o PC dos EUA em uma associação política comunista, que não tinha como o objetivo a tomada do poder, pois, como afirmava, “o sistema bipartidário norte-americano está conforme com os interesses da maioria do povo americano e também com os dos comunistas americanos” (BROWDER apud HOXHA, 1983. PP: 23).

            A forma radical como Browder destrói os princípios leninistas na organização dos comunistas americanos, causa enorme revolta entre os outros partidos comunistas no mundo. Em 1946, Browder já estava liquidado da direção do Partido. Porém sua orientação política continua a constituir-se numa arma perigosa que será muito bem utilizada pelo secretário de Estado norte americano, John Foster Dulles.

            Especialista do anticomunismo, John Foster Dulles, sabia que a orientação política do ex-secretário-geral do PC dos EUA era uma arma eficaz contra a orientação revolucionária do secretário-geral do PCUS, Josef Stálin. Quando o livro de Browder aparece em 1944, J. F. Dulles esforça-se em fazer propaganda das “novas ideias” entre os partidos comunistas dos países europeus. Desde 1941, o governo americano estabelece os primeiros contatos com esses dirigentes políticos. Para isso, tinha a mão a Office ofStrategic Services – a OSS – dirigida pelo irmão do secretario de Estado, Allan Dulles. A OSS infiltra entre os ex-combatentes comunistas da guerra de Espanha – entre eles haviam comunistas de muitas nacionalidades – seu agente, Noel Field. Os ex-combatentes da guerra de Espanha, assim como, comunistas europeu-orientais, exilados na Europa ocidental subsistiam em situação de completa miséria. Field estabelece amizade com esses comunistas fornecendo-lhes recursos matérias sob a máscara da assistência humanitária e ao mesmo tempo utiliza-se desses vínculos para catequizá-los na doutrina política browderiana. Os processos dos grupos Rajk e Slansky, na Hungria e na Checoslováquia no inicio dos anos 1950 demonstra até que ponto o agente dos irmãos Dulles logrou sucesso em sua subversão antissocialista[11].

O Partido onde os serviços secretos logram maiores sucessos em estabelecer seus agentes é o Partido Comunista da Yugoslávia. Seu secretário-geral, JosipBroz Tito era, há muito, agente dos serviços de espionagens estrangeiros. Após a guerra de libertação nacional do povo iugoslavo contra o nazismo, Tito assume a cabeça do novo Estado iugoslavo. Esforça-se de todos os modos para transformá-lo em um Estado burguês e em assegura-se que na República Federativa Popular da Yugoslávia não se instauraria uma ditadura do proletariado. Tito nega o papel dirigente do proletariado e do Partido Comunista na nova Yugoslávia e concede o Poder a uma frente popular, no qual são admitidos mesmo elementos burgueses e monárquicos, como Subasich. Tito segue na realidade uma política de subordinação ao imperialismo norte-americano e tenta convencer outros países de democracia popular a não seguir o caminho do socialismo e sim o do neocolonialismo (HOXHA, 1978. PP: 4-20).

b)     Vitória do revisionismo na União Soviética

Enquanto Stálin estava vivo os planos dos serviços secretos americanos de destruir o socialismo na URSS e na Europa oriental através do revisionismo fracassaram. O seus agentes nesses países foram combatidos e derrotados. Em sua Carta a Tito, Kardjel e o Comitê Central do Partido Comunista da Yugoslávia, de 4 de maio de 1948, Stálin denúncia os fundamentos do revisionismo iugoslavo e explica suas origens, demonstrando que só a situação de completa ilegalidade do Partido Comunista, a absoluta violação dos princípios do centralismo democrático puderam gerar o triunfo de teses estranhas ao marxismo-leninismo no interior dum partido comunista[12].

            A denúncia de Stálin do revisionismo iugoslavo pôs em guarda todos os partidos comunistas e operários dos países da Europa oriental contra os agentes secretos dos serviços americanos em seus próprios partidos.

            Após a morte de Stálin o revisionismo triunfa na pátria-mãe da revolução socialista. Mesmo durante vida de Stálin o Partido Comunista da União Soviética começa a sofrer grandes transformações. Lênin e Stálin sempre alertaram sobre o risco de degeneração do Partido revolucionário. Afirmam que da sorte desse partido dependia a sorte da revolução e da ditadura do proletariado. Enquanto eles estiveram vivos a vigilância contra a degeneração do Partido foi constante e sempre se produziram movimentos pela defesa do conteúdo proletário deste. O primeiro desses movimentos foi a primeira grande depuração do Partido realizada entre 1921-1923, onde foram afastados do partido 170.000 membros, 25% dos efetivos, por apresentarem posturas incompatíveis como a condição de comunistas. Os membros eram submetidos ao julgamento de enormes assembleias de trabalhadores antes de serem expulsos. Stálin deu prosseguimento e desenvolveu esse método leninista de combate a burocracia.

            Após a grande guerra patriótica o aparelho do Partido passa por tremendas transformações. Entre o 18º e o 19º Congresso do Partido passaram-se 13 anos. Começou a se consolidar nos extratos superiores da direção elementos revisionistas, que não se opunham diretamente as diretrizes marxista-leninistas de Stálin, mas as deformavam burocraticamente. Falando sobre a difícil situação criada no interior do Partido pelo aparato revisionista já nos últimos anos de Stálin, o primeiro-secretário do Partido do Trabalho da Albânia, nos dá tal quadro;

Los aparatos no sólo no informaban correctamente a Stalin y deformaban burocráticamente sus justas directrices, sino que habían creado una tal situación en el partido y  en  el pueblo, que cuando el mismo Stalin, en la medida en que le permitían su edad y su salud, se reunía con las masas del partido y del pueblo, éstas no le informaban de las deficiencias y los errores que sucedían, ya que los aparatos habían inculcado a los comunistas y a las masas la idea de que <<no debemos inquietar a Stalin>> (HOXHA, 1980. PP: 49).

Após a sua morte segue-se um acerto de contas à moda dos gangsteres americanos entre os clãs revisionistas que se apoderaram do Partido. Kruschov leva a melhor, assassinando Béria e seus seguidores (MARTENS, 2003. PP: 337).

            A vitória de Kruschov e sua ascensão a função de secretário-geral do PCUS resulta na liquidação da ditadura do proletariado e de todos os princípios marxista-leninistas na política e na organização do Partido Comunista. O PCUS é transformado em um partido de burocratas e o Estado Soviético em um Estado burguês ordinário. Os dirigentes do Partido que tentam se opor a tal situação são afastados do Poder acusados de serem um grupo antipartido e “stalinistas”. É o caso de Molotov e Kaganovich. O pior, Kruschov depõe o “grupo antipartido” contrapondo o dispositivo militar contra a maioria do Bureau Político do Partido (MARTENS, 2003. PP: 338-340). Todos os princípios leninistas haviam sido liquidados.

            A vitória da linha revisionista é coroada no XX Congresso do Partido, fevereiro-março de 1956, com a leitura por Kruschov de seu relatório secreto. Neste, Stálin, até então herói inconteste do movimento comunista, foi denunciado como o mais “horrendo monstro humano, entre todos os monstros humanos”. O relatório secreto não tinha outro fundamento histórico que as inúmeras falsificações produzidas primeiro nos gabinetes da Gestapo e depois nos de Allan Dulles. Daí em diante o “stalinismo” transforma-se em um espantalho contra uma política verdadeiramente marxista-leninista. E o antisstalinismo o “cavalo de Tróia” com o qual Kruschov seduz os partidos comunistas dos demais países para seu campo de colaboração com o imperialismo.

            Todos os condenados nos anos 1930 como inimigos do povo são reabilitados como “vítimas do stalinismo”. Nos países de democracia popular a situação é mais grave. A Yugoslávia de Tito é reirmanada a comunidade de países socialistas e seus agentes voltam a contar nas fileiras dos partidos comunistas e operários dos demais países europeus orientais. Na Polônia o antigo agente titistaGomulka chega a exercer a função de secretário-geral Partido Operário Unificado da Polônia.

            A linha política do PCUS é toda modificada para se adaptar as aspirações dos novos dirigentes revisionistas de transformar a União Soviética em uma superpotência imperialista. a orientação da luta contra o imperialismo e o capitalismo é substituída pela da coexistência pacífica com o imperialismo e a URSS assume uma postura imperialista em relação aos demais países do bloco. Os dirigentes kruchovistas pretendem, assim como os revisionistas iugoslavos e antes deles os fascistas italianos e os nazistas alemães, que a República Popular da Albânia não se industrialize, que permanecesse um país agrícola dependente. Esse país assim como a RP da China terminaria por ser expulso do bloco socialista por não atender as demandas social-imperialistas dos revisionistas soviéticos.

            A orientação política kruchovista sobrevive à deposição de Kruschov e termina por corroer completamente a unidade do bloco de países socialistas e degenerar o Partido Comunista da União Soviética em um partido burguês, que a partir do seu XXVII Congresso, em março de 1986, orienta-se abertamente para a restauração do capitalismo.

Conclusão

Em outubro de 1917 rompe-se a cadeia mundial do imperialismo pelo seu elo mais fraco. Os operários e camponeses da Rússia tomam o Poder dirigidos pelo seu Partido bolchevique. Entre, outubro de 1917 a março de 1953, a classe operária dirigida pelo Partido Comunista guia o povo trabalhador da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em uma luta de classes generalizadas pela construção do socialismo. Primeiro Lênin e depois Stálin comandam um povo de cerca de 160 milhões de seres numa luta sem precedentes na história pela edificação de uma sociedade socialista completa, uma nova sociedade sem a exploração do homem pelo homem. Após a morte de Lênin, em janeiro de 1924, Stálin lidera o Partido Comunista (bolchevique) da URSS na construção do socialismo, defendendo o marxismo-leninismo contra as deformações das tendências oportunistas de esquerda e de direita.

            A vitória do socialismo resulta os maiores sucessos. A URSS alcança os maiores índices de crescimento econômico até então realizados, elimina o desemprego, as crises crônicas de fome e conquista um aumento extraordinário do nível material e cultural do povo soviético.

            Sob a direção de Stálin o Exército Vermelho, o Partido Comunista e o povo soviético derrotam os agressores nazistas e destroem a maior máquina assassina da história. Após a guerra o socialismo expande-se a um terço do território do globo.

            A reação burguesa consegue triunfar após a morte de Stálin. O revisionismo de Earl Browder e de Tito chega à cabeça do primeiro Estado socialista do mundo no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética.

            O revisionismo destrói todos os fundamentos do socialismo na URSS, levando-o a sua derrocada. Os revisionistas começaram por questionar a necessidade do partido revolucionário. A negação do Partido proletário e da ditadura do proletariado era sua pedra de toque. Quando finalmente essa estava liquidada percebeu-se que o que restou foi, a ditadura da burguesia. O balanço da primeira experiência histórica do socialismo deve nos ensinar, que não existe um terceiro caminho, ou a ditadura da burguesia ou a ditadura do proletariado.

BIBLIOGRAFIA

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___________________. A Luta de classes na União Soviética: segundo período (1923-1930); tradução de Flávio Pinto Vieira – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

BROUÉ, Pierre. O Partido Bolchevique: Dos primeiros tempos à Revolução de 1917 – Curitiba: Editora Pão e Rosas, 2005.

ELLEINSTEIN, Jean. História da URSS: A conquista do Poder (1917-1921) – Lisboa: Europa-América, 1976A. (coleção saber)

ELLEINSTEIN, Jean. História da URSS: O socialismo num só país (1922-1937) – Lisboa: Europa-América, 1976B. (coleção saber)

História do Partido Comunista (bolchevique) da URSS – Recife: Edições do Centro Cultural Manoel Lisboa, 1999.

HOXHA, Enver. La “Autogestion” Yugoslava Teoria y Practica Capitalistas – Tirana, Casa Editora <<8 Nëntori>>, 1978.

_____________. Los Jruschovistas – Tirana, Edições do Autor, 1980.

_____________. O Eurocomunismo é Anticomunismo; tradução Anibal Jardim – São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1983.

LÊNIN, Vladimir. Desenvolvimento do Capitalismo, O., O Processo de Formação do Mercado Interno para a Grande Industria, volume I; tradução de José Paulo Neto, Resivisão, com base no original russo, de Paulo Bezerra - São Paulo: Editora Nova Cultura, 1988.

______________. Obras Escolhidas; em três volumes – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1979-1980.

LOSURDO, Domenico. Fuga da História? A revolução russa e a revolução chinesa vistas de hoje; tradução Luiz Mario Gazzaneo e Carolina MuranakaSaliba – 1ª reimpressão – Rio de Janeiro: Revan, janeiro de 2009.

MARTENS, Ludo. Stálin, um novo olhar; tradução, Pedro Castro e Pedro Castilho – Rio de Janeiro: Revan, 2003.

TROTSKY, Leon. A Revolução Traída: O que é e para onde vai a URSS; traduzido do original em russo e comparado com as versões do português, inglês por: Henrique Canary, Rodrigo Ricupero e Paula Maffei. Tradução da introdução por: Maria Cecília Toledo – São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2005.

SITES CONSULTADOS



 



[1] Estudante de História da Universidade Católica do Salvador
[2]A Rússia do período czarista utiliza um calendário distinto do calendário ocidental. O calendário utilizado pela Rússia czarista tem uma defasagem de 13 dias com relação ao calendário ocidental. Após a revolução socialista o poder soviético adota o modelo ocidental. As datas anteriores a revolução apareceram com o indicativo do calendário ocidental entre parênteses.
 
[3] A Comissão Extraordinária de Toda Rússia (ou Tcheca) foi a primeira policia soviética, ela foi presidida por Felix EdmundovskyDzerzinsky e teve duração até 1922, quando foi dissolvida e substituída pela GPU.
[4]Vide BETTELHEIM, 1979. PP: 146-178 e 201-209 sobre o “comunismo de guerra”.
[5]Vide BETTELHEIM, 1983. PP: 47-79 para as medidas que caracterizam a implantação da NEP.
[6]TROTSKY, prefácio à edição de 1922 do livro A Revolução de 1905,http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1907/rev_1905/prefacio.htm, consultado pela última vez em 29 de junho de 2012.
 
[7]Vide ELLENSTEIN, 1976B. PP: 118-136 sobre o primeiro plano quinquenal.
[8]Chamava-se kolkhoses as fazendas coletivas de camponeses pobres e médios na União Soviética e de sovkhoses as fazendas estatais.
[9]Nepman era como se chamavam os comerciantes enriquecidos no período da NEP.
[10]Os 25.000 eram operários recrutados pelo Poder Soviético para serem enviados as regiões agrícolas da URSS durante o período da coletivização. Os 25.000 ajudavam os camponeses a organizar a direção das fazendas coletivizadas e os instruíam na condução dos tratores agrícolas. Vide sobre os 25.000 MARTENS, 2003. PP: 93-96.
 
[11]Vide a coleção de artigos de Kurt Gossweiler, sobre o titulo geral de As origens do revisionismo moderno: como o browderismo foi implantando na Europa em; http://www.hist-socialismo.com/docs/KGBrowderismo.pdf, consultado pela última vez em 1º de julho de 2012.
[12]A carta da Stálin a Tito, Kardjel e ao Comitê Central do Partido Comunista da Yugoslávia está disponível em; http://www.marxists.org/portugues/stalin/1948/05/04.htm, consultado pela última vez em 2 de julho de 2012.